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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Excelência do Srimad-Bhagavatam por Sua Santidade Purushatraya Swami

A Excelência do

Srimad-Bhagavatam

Sua Santidade Purushatraya Swami

“Aqui na Índia, para ser reconhecido como um pandita (erudito no conhecimento védico), é condição sine qua non conhecer bem o Srimad-Bhagavatam”, disse-me uma vez um amigo meu, indiano, super erudito nas escrituras, Ph.D. em sânscrito e um dedicado devoto de Krishna. Esse dado, por si só, já demonstra a excelência desse livro transcendental.

O Srimad-Bhagavatam, também conhecido como Bhagavata Purana, é uma escritura sagrada com características muito especiais. É a jóia rara da vasta literatura védica. No começo desta era, a fim de preservar o conhecimento védico para a humanidade, uma personalidade mística iluminada, o sábio Vyasadeva, compilou e editou, em diversas classes de escrituras, todo o conhecimento revelado captado da Transcendência através de canais competentes: os grandes rishis ou personalidades santas iluminadas. Dessa forma, os Vedas e uma gama de escrituras subsidiárias foram manifestados em linguagem escrita para o bem da humanidade na posteridade. Como legado pessoal, Vyasadeva nos deixou o magnífico épico Mahabharata, que narra episódios do período védico, e o profundo Vedanta-sutra, livro base do sistema Vedanta de filosofia. Ao fim de tudo isso, inspirado pelo seu guru Narada Muni, Vyasa encerrou esse trabalho hercúleo com mais uma composição sua, um livro em que ele expressa suas mais íntimas realizações espirituais obtidas em samadhi. Nasceu, então, o Srimad-Bhagavatam, o Maha Purana, o último livro da vasta literatura védica editado por Vyasadeva. Essa magistral e sublime escritura sagrada oferece à sociedade humana o supra-sumo e a quintessência em espiritualidade e filosofia perene.

O Srimad-Bhagavatam ocupa um lugar de destaque no cenário da literatura védica. Até mesmo o grande acharya Shankara, ferrenho oponente ao teísmo e proponente da filosofia Advaita Vedanta, recorreu ao seu texto para glorificar o Senhor Krishna.

Esse fato é sugestivo, pois, nessa linha filosófica, não se dá o devido valor à literatura smrti, na qual o Srimad-Bhagavatam se enquadra. Os Puranas são, inclusive, vistos com desdém, com a alegação de tratar-se meramente de histórias, literatura essa considerada apropriada somente para pessoas menos inteligentes e sem cultura. Os dotados de inteligência superior e tino filosófico, dizem eles, não devem perder tempo em ouvir lilas, cantar e dançar no kirtana, alimentar devoção a alguma divindade e outras expressões de sentimentos devocionais. Bhakti seria, ao ver deles, um estágio inferior a jnana, conhecimento filosófico especulativo. Meditação aham brahmasmi, renúncia completa (neti neti) e mumukshu (desejo intenso por moksha, liberação) seria o único caminho para a alma condicionada se livrar do samsara e se fundir no Brahman.

Para os Shankaristas, somente a literatura sruti deve ser tomada como referência para se entender a realidade. Mesmo assim, toda a seção karma-kanda(ritualística) dos Vedas deve ser descartada e somente a seção jnana-kanda (os Upanishads) deve ser levada em consideração. Segundo essa tradição, os pramanasresumem-se no prasthana-traya, as três principais referências dos shastras, que se apresentam na seguinte ordem de importância: 1. Os dez Upanishads comentados por Shankaracharya, a saber, por ordem de importância: Brhad-aranyaka, Chandogya, Taittiriya, Atareya, Mandukya, Mundaka, Prashna, Kena, Katha e Isha Upanishads; 2. Os Vedanta-sutras (ou Brahma-sutras) de Badarayana (outro nome de Vyasadeva); e, em terceiro lugar, o famoso Bhagavad-gita, que contém as instruções de Sri Krishna a Arjuna. O Srimad-Bhagavatam está, portanto, fora dessa lista. Interessante notar que Bhagavad-gita, mesmo sendo um smrti, pois se trata de um capítulo do épico Mahabharata e pertence à classe de literatura chamada Itihasa, ganhou um lugar no prasthana-traya, certamente devido à sua inegável fama. Seria talvez um desprestígio desmerecê-lo.

A metodologia empregada para a exegese Advaita Vedanta prescreve uma hierarquia entre os três prasthanas. As instruções e informações contidas nos Upanishads são consideradas nesse sistema como a palavra final. Caso uma das assertivas dos Upanishads seja contraditada nos outros dois prasthanas, a saber, Vedanta-sutras e Bhagavad-gita, o que prevalece é o conceito emitido no primeiro prasthana. Mesmo dentro da lista dos dez Upanishads comentados por Shankara, existe uma gradação de importância. Dentro desse sistema, as instruções de Krishna no Bhagavad-gita, instruções essas sagradas para os devotos, são assim relativizadas, o que é motivo de desgosto aos devotos Vaishnavas. Todo o conceito de bhakti explicado por Sri Krishna, de forma explícita e irrefutável, pode ser, dessa maneira, distorcido e adulterado, e posto a serviço da filosofia mayavadi. Nessa filosofia impersonalista, Krishna, como Purushottama, é ofuscado pela idéia de um Brahman abstrato que seria nirguna, nirvishesha, nirakara, em suma, sem atributos.

Por outro lado, o Srimad-Bhagavatam é Krishna do princípio ao fim. É um livro totalmente transcendental, pois, conforme está enunciado em sua introdução, ele rejeita o dharma secular e concentra-se exclusivamente no summum bonum, o bem último, a auto-realização espiritual. É bhakti do princípio ao fim. Suas lilas eternas e Seus ensinamentos intemporais, recebidos diretamente da boca de Krishna (Uddhava-gita, no décimo primeiro canto) ou através de personalidades divinas ou almas auto-realizadas, como Kapiladeva, Shukadeva, Prahlada e outros tantos, constituem o cerne dessa grandiosa escritura sagrada. É, portanto, uma literatura eminentemente teísta. Para aqueles que querem apreciar as qualidades divinas de Deus, é, sem dúvida, a melhor referência.

Apesar do desdém que os mayavadis dispensam aos Puranas em geral, o Srimad-Bhagavatam foi objeto de apreciação da parte de Shankaracharya em sua composição Govindastakam. Ele glorificou tanto Sri Krishna quanto o livro que descreve Suas lilas eternas. Em um dos seus oito famosos versos de dezenove sílabas, ele assim se expressa: “Por favor, prosta-te diante de Govinda. Ele é o reservatório de todas as qualidades adoráveis. Todas as pessoas santas adoram Seus misericordiosos pés de lótus dentro de seus corações. Ele é meu Senhor adorável. Todos os semideuses, assim como Srimati Vrindadevi, adoram-nO na terra de Vrindavana. Seu puro e belo sorriso emana bem-aventurança, como a flor kunda jorra néctar. Ele infunde êxtase transcendental aos Seus amiguinhos vaqueiros.”

Outra incursão de Shankaracharya no terreno do teísmo foi seu inusitado e famosíssimo verso Bhaja Govindam. Conta-se que ele caminhava pelas ruelas de Varanasi com seus discípulos e, ao ver um professor ensinando regras gramaticais de sânscrito a seus alunos com uma didática muito mecânica e repetitiva, inspirou-se para compor vários versos cujo estribilho se tornou muito famoso. Shankara chama de mudhas, tolos, aqueles que, ao invés de adorar Govinda, ficam encantados e distraídos com a erudição seca. Ele disse jocosamente: “O que vai adiantar saber todas as regras gramaticais para conjugar a raiz verbal [du]kr[s], karane, da oitava conjugação? Isso não vai te proteger na hora da morte. Adore Govinda! Adore Govinda! Adore Govinda!” (Como em português, a conjugação dodhatukr”, significando “fazer”, é totalmente irregular e cheia de exceções).

Por cerca de trezentos anos, Shankara reinou absoluto no cenário do sistema Vedanta com seu Shariraka-bhashya, o comentário dos Vedanta-sutras, quepropõe o monismo Advaita. A reação Vaishnava veio de Ramanuja em seu Sri-bhashya, estabelecendo a visão teísta da linha filosófica Vishishta-advaita Vedanta. Cem anos mais tarde, outro grande filósofo Vaishnava, Madhva, apresentou outra versão, desta vez uma visão dualista, a filosofia Dvaita. Grandes debates filosóficos ocorreram nesse período. Tanto Ramanuja quanto Madhva tiveram que “lutar com as mesmas armas” usadas por Shankara e seus sucessores para impor o ponto de vista Vaishnava no contexto do sistema Vedanta. Até então, a metodologia empregada para se estabelecer, com base nos shastras, os conceitos dos três elementos básicos do sistema de Vedanta, a saber, a entidade viva, esse mundo material e a Transcendência, e as relações entre esses princípios, era exclusiva e obrigatoriamente baseada nas esotéricas assertivas dos Upanishads e nos enigmáticos e sucintos aforismos dos sutras. Os eruditos se perdiam nos labirintos das conclusões shastricas, enquanto que o acesso a essas verdades era inacessível para as pessoas comuns.

Mais tarde, Sri Caitanya Mahaprabhu inaugurou uma nova era Vaishnava e rompeu com essa metodologia fundamentada na tradição do prasthana-traya. Ele enfaticamente sugeria a todos nesses termos: “Não percam tempo com o tecnicismo árido dos Upanishads e Vedanta-sutra. Vão direto para o néctar, o Srimad-Bhagavatam.” Essa abertura democratizou o conhecimento das escrituras e trouxe um grande alívio e ânimo novo para todos os Vaishnavas. Sri Caitanya afirmava: “Para que perder tempo em comentar o Vedanta-sutra? O próprio autor, Vyasadeva, já revelou todo o seu conteúdo esotérico no Srimad-Bhagavatam.”

Jiva Gosvami, o filósofo por excelência da linha de Caitanya, em seu Tattva Sandarbha, declarou que não iria se deter em refutar a versão Advaita em seu livro, pois os dois grandes filósofos-acharyas do Vaishnavismo, Ramanuja e Madhva, já tinham, anteriormente, apresentado brilhantes argumentos e voltar ao mesmo assunto seria mera repetição. Ao invés disso, Jiva Gosvami tratou de estabelecer elaboradamente, com base em muitas citações dos shastras, a posição única e excelsa do Srimad-Bhagavatam. Definitivamente, o Srimad-Bhagavatam supera todas as outras escrituras, pois corrobora tudo o que foi dito nas demais escrituras e revela uma dimensão espiritual raramente conhecida. O próprio livro declara: sarva-vedanta-saram hi sri-bhagavatam ishyate­: “O Srimad-Bhagavatam é declarado ser a essência de toda a filosofia Vedanta” (SB 12.13.15).

O Srimad-Bhagavatam é puro néctar. É lila e tattva combinados. Através de suas páginas podemos nos deliciar com passatempos transcendentais e, com clareza, definir e realizar os três estágios da auto-realização, a saber: sambandha-jnana, o conhecimento de nossa relação eterna com Krishna; abhidheya, o processo para estabelecer esse relacionamento, o serviço devocional; e prayojana, a meta última da vida, prema-bhakti, o amor puro por Krishna.

As glórias do Srimad-Bhagavatam são aqui sintetizadas:

srimad-bhagavatam puranam amalam yad vaishnavanam priyam

yasmin paramahamsyam ekam amalam jnanam param giyate

tatra jnana-viraga-bhakti-sahitam naishkarmyam aviskrtam

tac chrnvan su-pathan vicarana-paro bhaktya vimucyen narah

“O Srimad-Bhagavatam é o Purana imaculado. É o mais querido para os Vaishnavas porque descreve o puro e supremo conhecimento dos paramahamsas. Este Bhagavatam revela os meios para nos livrar do trabalho material, junto com os processos de conhecimento transcendental, renúncia e devoção. Qualquer um que tenta seriamente entender o Srimad-Bhagavatam, que propriamente o ouve e canta com devoção, torna-se completamente liberado” (SB 12.13.18).

O tesouro maior do Srimad-Bhagavatam é o fato de revelar os aspectos mais confidenciais de Sri Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, e Seus associados eternos no mundo espiritual. Tem o poder de estabelecer a consciência de Krishna no coração do devoto, mesmo em meio a tantas influências mundanas dessa civilização mal dirigida. O texto declara que, embora Krishna não esteja mais presente neste mundo, Ele, que estabeleceu o dharma e o conhecimento transcendental no seio da sociedade humana, está presente agora, em plena Kali-yuga, na forma do Srimad-Bhagavatam, o Purana brilhante como o sol, e tem o poder de remover toda a ignorância e a ansiedade material.

krsne sva-dhamopagate dharma-jnanadibhih saha

kalau nasta-drsam esa puranarko ’dhunoditah

(SB 1.3.43)

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Escrito originalmente como prefácio para o Material de Estudo Bhakti-Vaibhava Brasil, disponível em: www.devocionais.xpg.com.br

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